Segue uma fábula de Millôr Fernandes
Eros uma vez...
Um dia,
Aphrodite, posteriormente fonetizada para Afrodite (e traduzida para Vênus), não
agüentou mais. Chamou o filhinho, Eros, conhecido também como Cupido, e
disse:
- Pombas, qualé?
Que é que adianta ser Deusa e linda, se toda hora tenho que entrar em concurso
pra ver se ainda sou a maior? Agora é essa tal de Psychê! Vai lá e dá uma
flechada nela, meu filho.
Cupido ainda
tentou sair pela tangente:
- Por que, mamãe? Chama o Papai, que é o Deus da guerra.
- Por que, mamãe? Chama o Papai, que é o Deus da guerra.
Mas a mãe,
venérea como era, apenas mandou que ele xarape a boca e obedecesse.
Eros, assim que
avistou Psychê, caquerou-lhe uma flecha nos cornos, mas era tão ruim de pontaria
que a flecha acertou-o no próprio coração. Desesperado de amor auto-infligido,
Eros mesmo assim esperou a noite ficar bem negra pra possuir Psychê sem ser
visto pela mãe, pelo público e – pasmem! – até pela própria atriz convidada,
que, contudo, diante da performance dele, exclamou, gratificada:
- Rapaz,
sinceramente, nunca vi nada mais erótico!
Porém, as irmãs
de Psychê, chamadas Curiosidade, Perfídia e Prospecção, começaram logo a
envenenar as relações da irmã com aquele desconhecido, afirmando que devia se
tratar pelo menos do Corcunda de Notre-Dame ou do Homem Elefante na versão
original. Curiosidade dizia:
- Se ele não se
assume, é porque tem medo das grandes claridades. Vai ver, ele é o
Eros-Close.
Perfídia
ajuntava:
- Uma noite,
manda Celacanto em teu lugar. Evita maremoto.
E Prospecção
concluía:
- Mata ele. Um
pouquinho só. Se é Deus como diz, depois ressusita em forma de
butique.
Psychê não
resistiu às más influências, e uma noite entrou na câmara escura em que Cupido
dormia, levando uma lamparina numa mão e uma adaga na outra: “Vou lhe fazer um
teste sexual pré-olímpico e depois enfio esta adaga em seus boIEROS.” Porém,
quando a luz bateu em Cupido, e Psychê viu aquele gatão, ficou tão excitada,
que... Nesse momento, porém, uma gota de óleo da lamparina caiu no ouvido de
Eros, que acordou assustado, saltou de lado e desapareceu para
sempre.
Durante dez anos,
Psychê procurou em vão o seu amor. Afinal, subiu ao Olimpo pela escadinha dos
fundos e implorou a Aphrodite:
- Minha querida
sogra, por favor, me dá de volta Cupido, que perdi por ser muito
cúpida.
Ao que Aphrodite
respondeu:
- Está bem, vou
te dar três tarefas. Se cumprir as três, eu te devolvo meu filho. 1ª tarefa)
Enfiar o dedo no nariz de outra pessoa com o mesmo prazer com que enfia no seu.
2ª) Transformar 85 torturadores da polícia em outros tantos perfeitos
democratas. 3ª) Descer aos infernos e me trazer a caixa preta (também conhecida
como Boceta) de Pandora.
Psychê desprezou
as duas primeiras propostas, pegou o primeiro buraco de tatu pro inferno e
trouxe consigo a tal coisa de Pandora. Mas, no caminho pro Olimpo, não resistiu
e resolveu olhar o que tinha na caixa. Imediantamente, de dentro da caixa
fugiram todos os males do mundo – a inveja, a preguiça, o colégio eleitoral e o
jornalismo brasileiro -, e Psychê desmaiou. Eros se materializou no mesmo
momento, mais apaixonado do que nunca, e, olhando na caixa, viu que nem tudo
estava perdido. Bem no fundo, escondidinha, lá estava a esperança. Por isso ele
se casou com Psychê e tiveram três filhas – Volúpia, Titila e Tara – e três
filhos – Aconchego, Deleite e Orgasmo.
Moral: A Psychêatria não resiste à Cupidez
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